Postagens

sereia do espaço

lança-me do barco, se quiser, pedra na água, jóia submersa, sereia ensandecida em paetê e madrepérola, dignissima bruxa do mar interceptadora dos desavisados, santa-santa dos mistérios aquáticos, guardiã dos portos, raio único do veio de prata. segura minha mão, escamas de peixe. vai ficando, escora tua mágoa no canto da sala, prova no ar  o odor familiar da tua pátria, tempero de lânguidos olhos, cova rasa na terra, ventania que se arma no norte, anúncio e trovoada, castigo na noite, naufrágio, afogamento e vastidão, eu mesmo, já estou perdido.

o frio que se move

o deslizar do meu corpo gelado em oposição a bala solitária que me atravessa o peito, o degelo dos meus olhos e as cinzas, um rio solitário que se entrega aos penhascos, abismos e crateras idealizadas pelo pavor e pela recusa e por todas as perdas cotidianas e infinitas

as últimas folhas de inverno

o inabitável deserto dos meus olhos contra a força esmagadora do mundo, um arco trêmulo envergado pelos sonhos de uma noite sem fim, perco um pouco de mim em cada coisa que pouso meu olhos, entrego aos deuses do inverno o desejo e a fúria da minha intimidade e então desapareço.

Dos amantes

Pedro, te amo. amo-te, pois teu corpo é luminoso e vivo. Secreto em ardências. Porque caminha alheio e paralelo do mundo. Do todo mundo. Figura contorno ao vazio e o nomeia, chama-o: belo, porque compreende soturno teu caminhar e, de escuridão meu revés. Alice, te amo. amo-te, pois não sendo tu Alice nenhuma outra o seria. Porque és possuidora de forças tantas e fragilidades muitas. Será Alice o inverso de Roma? Será felicidade, medida exata entre teus todos olhos à boca? Amo-te Pedro, pois és forte e audaz. Onde, sendo sempre leão, fingi-se cordeiro. Amo-te pequena Alice, e reconheço em ti tuas ranhuras. Porque teces contos, mas não te moves. E pensando amor, só haverá Pedro à tua poesia. Deita-te luminoso Pedro. Prova-me o gosto. Deita-te curiosa Alice Move-te para dentro. Para o bem mais Sendo a noite reduto dos amantes e a lua, guardiã de todos os pudores morre-se à luz apaga-se o mundo inteiro.

descontinuado

escrevo apenas para pontuar minhas dores, destacar minhas falhas, sair na mão com meus defeitos, escrevo para existir, cê não pra você, uma entidade lírica que me habita, apenas para não morrer sozinho e calado, porque apesar de silencioso muitas vezes, tenho muito a dizer. escrevo porque não posso te alcançar através das muitas camadas que compõe nosso nó, porque não posso segurar a água entre as mãos, nem pedir ao sol que hoje não venha. escrevo porque estou vivo e isso dói.

Ensaio contra o Sol

Quem é que olha pelos meus olhos? Quem é que mastiga com minha mandíbula aberta para quem quiser sentir, o podre e o ocre das línguas afiadas umidificando o caminho, o grito mudo, também preso da fera humana especular? O (des) gosto do sal temperado por ausências, terrores póstumos e de uma palidez brutal, manchada somente, pelo vinho ácido dos dias iguais do cativeiro, das horas amargas e vulgares sob uma meia-luz qualquer marginal. Enlutando o crânio, o pranto, passeando às avessas da luz, a ceifa adorada segue, todo dia, em todo canto, devorando do animal as vísceras esplêndidas estendidas contra o sol.

vermelho céu

3 tiros no peito ao longe a cavalaria, a torre em chamas ilumina a si mesma, tinge o céu de vermelho, morre o sol perdido dentro da noite perdida, não me convenço, mas me retiro e sigo sendo o primeiro caos do universo