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o oceano nas pessoas

as aves marinhas arrastaram suas pernas sobre as águas e sopraram um vento manso, mas encharcado do perigo da noite, correram secretas e prontas por entre ladeiras, desabaram silenciosas ante a face minguante do risco da lua e se estenderam quilômetro a quilômetro da mata transamazônica dos seus pêlos morenos, mas queimados pelo sol do meio-dia, lambido de sal e trêmulo, espantado com o fantasma das coisas que perecem, uma tímida estrela do mar sentimental desfilando suas tripas sob a praia.

coisas que brilham

eu vi quando você virou estrela e seus cabelos tremeluziram gaivotas de luzes verdes que iluminaram seus olhos como duas luas cheias com o pó prateado das coisas que orbitam entre suas coxas como uma cascata de pequenos vagalumes, eu vi. eu vi quando você tocou a atmosfera e suas mãos se estenderam como faróis daqueles capazes de guiar um homem eu vi quando você se partiu para renascer coroada de luz num outro plano espacial detentora do tesouro dos reis astros maiores atraidos pela grandiosidade da sua luz então você se foi no oceano da noite uma sereia espacial iluminando o mundo.

não pise nas flores

não pise nas flores mesmo que as vezes ela te peça, nem feche a janela em dia de chuva nem sufoque um gemido na boca da paixão não use grilhões nem ofereça não se perca do brilho das estrelas enquanto caminha os passos do mistério, não se curve demais para que não se dobre nem estufe não se perca no macio irregular das ondas nem no canto agudo da sereia sob a pedra ou das aves marinhas, ou das conchas tímidas fechadas em si mesmas oferecendo suas pérolas e suas tripas amorosas ao sol e ao deus errante dos marinheiros.

o risco de chover

eu corro o risco de cobrir suas palmas com as cores dos desertos, de projetar nas suas palavras um raio laser sem qualquer  efeito léxico, sem semântica, forma ou estrutura anatômica, apenas um apanhado dos fiapos do tempo displicentemente emaranhados no canto oposto da sala de estar, corro o risco de provar do copo de luz sob a mesa e de acender mais uma vez as luminárias do jardim, corro o risco de te imaginar mais uma vez aguando as plantas, espalhando teu cheiro pelos hortelãs e os morangos silvestres, corro o risco de correr perigo e te amar outra vez.

a falta

pequenas flâmulas anunciam o túmulos dos anjos em pleno cerco, verdadeiro estado de sítio, uma completa febre noturna em que você se deita oferecendo seu pescoço aos cães, despindo suas cascas enquanto alterna suas muitas caras tristes, aquela que costumava mostra nos dias de verão em que tudo é calor e a terrível anedota sobre as alças do espelho e conta com o doce jasmim da sua boca como você me deseja quando o sol baixa e se estende sobre mim como um mapa e eu te conto com a boca escancarada sobre o terror pegajoso​ da morte e da falta do jasmim quando você não vem.

as coisas do amor

antes que o sol morra falemos das coisas do amor, falemos da forma como você se move sobre a espuma, da forma como você me chega e me invade e finca sua bandeira tímida ao mastro, falemos sobre as tuas curvas ou a forma como você sorri um sorriso branco, limpo, transpassado pelas histórias de um outro tempo, falemos sobre as aves de rapina e o sal da sua pele, falemos sobre a lamparina dos teus olhos e a maneira como você ilumina, antes que a terra trema falemos das tuas vitórias no campo de batalha, sagrado vênus, falemos da semente e de como você sussurra canções às flores, de como você se estende pelo céu em cores, falemos sobre o arco das tuas sombrancelhas contra a geometria do teu peito, falemos das mãos em concha e da pureza dos rios, falemos dos teus cabelos, das tuas rugas, do peso das tuas costas falemos, sobre tudo das coisas do amor.

interdição aos vagalumes

cintilam dois pequeno vagalumes por de trás das suas pálpebras fechadas em algum ritual sagrado para a catarse absoluta ou você apenas cerra os olhos na esperança de tocar por alguns minutos o centro do mundo, o umbigo de deus: todas as coisas, até as coisas que penduramos esperando o sol de amanhã, até as cinzas dos cigarros e a chama, o pavio, a bomba e o estilhaço, talvez você até pressinta minha ânsia, pois sempre que te toco e toco consciente do ato sublime das mãos você se move e se afasta e se recolhe e cerra as pálpebras descansando os vagalumes em alguma floresta inabitada, onde talvez habitem feras perigosas e seres fantásticos de pura luz, talvez você até tenha aprendido algum segredo com as folhas do carvalho, talvez você tenha desenvolvido o mistério dos rios e seja você mesma feita d'agua, uma antiqüíssima força que só se toca com a ponta dos dedos, algo parecido com magia, uma espécie nova de amar e perecer.

o lado escuro do sol

estamos todos inseridos num dificílimo conjunto de leis universais que rege a coisa das pessoas, um complicado aparato (i)moral que governa o fio, tece os encontros, dispõe dos nossos braços como máquinas amputadas na cronologia dos abraços, dispõe da nossa boca enquanto silencia o eco da brecha da falha universal intrínseca de todos os bichos e anjos um código nuclear inscrito na língua morta das estátuas, fachadas que iluminam a si mesmas no cruzamento das avenidas permeadas pelo pavor do sol em ruas paralelas de começo de novembro, óbvias, como o amor e a sal das nossas vidas a vida das flores espalhadas pela capital azul numa segunda qualquer enquanto a fuga é possível e a janela está aberta a chuva molha as plantas na varanda e o vento corre sobe seu nome, acena e se despede das barbas politicas e dos retratos enquanto a lua ilumina o caminho do centro até o jardim.

fragmento perdido

sentado aqui sozinho e calado em meio ao caos do mundo espero por algo que ainda não tem nome ou forma ou até mesmo função, tantas marcas deixadas em meu corpo e eu espero abandonado de espírito por algo que atinja o peito, que faça expurgar o latido dos cães e as goteiras do telhado. sentado aqui silenciando a entrega, quase como uma afirmação de fé de que subitamente daremos algum sentido aos retratos e as coisas que permanecem sempre as mesmas.

Coisas vãs

todas as sextas construimos pontes monumentais ao invisível dos olhos, perfumamos o corpo, a casa, o templo, na esperança de sermos vistos, não só vistos, mas amados, de alguma forma esperamos e insinuou a espera como uma doação ilimitada, uma carga dramática, um último arrepio nos poros da tua pele, o olho soberano de deus, grandíssimo sol encarnado, rei pacificador da tempestade, da chuva passageira a canção sem-fim todas as sextas cantamos com as vozes do amor e aquele ponto fixo no mapa, a estrela maior na casa de touro se afasta, enquanto explode em prata a angústia da noite e dos dias iguais em simetria. todas as sextas, como a pedra que rola a montanha, nos encontramos, nos esgueiramos pela subida, apenas para cairmos e nos perdermos de novo e de novo. e mais uma vez. até que um novo dia nos redima.

a noite que pousa no homem

acho que tenho andado muito perdido, por um momento as coisas pareceram tão tênues, o caminho foi ficando tão pequeno, foi ficando difícil respirar, tudo parecia estreito, eu mesmo não cabia mais nem sei, com certeza se estava ali ou se estava, quem sabe, expondo meu corpo ás infinitas pombas no beiral da janela em troca de um pedaço, um farrapo qualquer de alguma coisa que fizesse sentido e não faz, as vezes parece que clareia, mas é sonho, um momento antes do furacão. um segundo e estamos aqui, presos num céu intergaláctico de estrelas que despencam, envoltos por uma coisa escura como uma capa que agarra o corpo da gente, suga nosso ar, parece que você some aos poucos dentro da bruma e que tudo é tão distante e longe e dói. mas você sabe né que de alguma forma você vai viver, se permite até ter alguma esperança, uma pequena bituca acesa enquanto a cidade inteira dorme. ou finge. e as palavras rolam por seus caminhos ocultos através da veia abe

um recorte sobre esperança

eu que desenhei a paisagem para os teus olhos ciganos e que de alguma forma meio sem querer percebi teus pequenos deslizes não te julgo, nem te acolho mais que o suficiente para encostar na tua boca palavras grandiosas sobre o futuro do mundo e de como você não está só, mas está e você sabe. todos estamos. você e eu que somos muitos outros em nós que tentamos sobreviver inteiros ao grasnar dos corvos ao meio-dia, que sentimos aquela onda quente como um bafo azedo e amanhecido subindo pelo asfalto e os carros e as próprias aves negras em pleno vôo choram e lamentam por nós, eu suspeito. e tremo. você mais do que eu inventou um jeito mais bonito de não se sentir só um esquema quase infantil de sentir-se grande e conectado com as coisas de fora e as angustias do mundo. uma forma de também olhar para dentro. talvez acho que até você tem dias chuvosos e raios furiosos na cabeça, pois te vi tão triste hoje pelos corredores e eu quis mesmo acreditar

afirmações amorosas

será todo dia uma festa desde que você fique que percorra os corredores elétricos com suas pressas urgentes e olhos doces, que nossos atrasos conhecidos não nos alcance só para nos perdemos de novo. desde que ocupe seu lugar na poltrona vazia logo a frente e que preencha de riso o silêncio das coisas que murcham e se desintegram no instante depois do ato será todo dia uma corrida algo como esticar os joelhos só que diferente um tipo diferente de aventura na selva um jogo perigoso, todo dia será um dia de descoberta porém desde que você fique.

cântico vermelho

por onde andam aqueles querubins amados com suas espadas afiadas e seus gemidos? por onde andam os marinheiros errantes de leitos quentes e esparsos? será que cruzam os montes enquanto os persigo em sonho? será que entendem meu desespero e minha luta e ainda assim se demoram? será que existem tais homens sobre a terra? homens capazes de me transcender o espírito será que me acharam vulgar ou velho demais para lhes satisfazer a ânsia do ato? o que será que será desses homens e de mim, que feito um lobo no cio os persigo? mas o que será feito da primavera quando o verão retornar?

fragmento sobre o nascimento das coisas

eu queria que as casas tivessem varandas e fossem lares desses que humanizam as pessoas, que amolecem a gente eu queria que as construções homenageassem a forma e a esperança com que os abraços são feitos eu queria as sutilezas da lingua do lábio do sorriso eu queria que eles todos arrancassem as roupas que fossem todos tocados pelo anjo nu e travesso, provassem o sabor e a consistência de sermos nós mesmos da melhor forma que conseguimos.

aquilo que um dia foi rosa

é que as rosas resolveram fechar-se em suas pétalas e os rios dedicaram-se a correr pelas cidades e a vasculhar os extensos quilômetros de pele que nos separa apenas pela fagulha da possibilidade de desaguar entre tuas valas ou comer do seu riso um rastro forte, um rangido, algo que traça na fronte subitamente uma linha, um mapa geográfico da sua espessura, uma gruta escondida na escuridão é que o sangue que corre nas veias que te compõem um cenário de treva tetas e fossas, até que te arranca o dente é o mesmo tombo fruto daquilo que se esconde nas entranhas, no breu e no casulo bruto da rosa é o engano por certo é o engano da flor que produz aquela coisa amarga e recolhida é o engano que chama a si mesmo por pequeno milagre e implora enquanto chora um pranto seco pelo deserto, dispara um lamento largo e agudo repetindo alto apenas como um mantra, como um ato de fé, de misericórdia, que repousassem suas raízes

encontros que ficam

hoje é mais um dia que nos esticamos um sobre o outro, a lua, o poste e os gatos nos observam atentos do nosso interior, disseram que há alguma mediunidade nos gatos, uma estranheza típica de quem olha pra dentro, não sei, com certeza existe um certo olhar de quem revela, de quem entrega o jogo, talvez até entregue mesmo, mas não hoje que nos olhamos de perto e que eu conheci aquela sua pinta nas costas, não hoje enquanto nos enroscamos e nos ajeitamos pela quinta vez naquele mesmo banco duramente cinza e penso no meio da praça, não enquanto a cidade toda silencia suas trombetas de serafins tristes e mudos, não na nossa praça íntima a praça de ontem e anteontem e de semana passada de novo o mesmo banco e nós que já não somos os mesmos, mas que ainda permanecemos meio verdes e trêmulos mal imaginamos a fundura do poço um do outro, que ali escancarados e desprotegidos sobrevivesse de alguma forma uma semente algo como esperança um futuro bon

desordem n°2

isso tudo é uma grande invenção maluca e fora de ordem projetada com alguma graça em suas envergaduras é quase como se houvesse alguma dignidade santa nas extremidades do arquiteto um halo de luz que confunde que promete. até aquelas máquinas pesadas que circulavam os pesares do povo não eram também mais que uma fantasia simples, um intrincado jogo de abrir portas e deixar-se penetrar pelo rubi cravado em nossas têmporas. o rasgo do rasgo em forma de estrela que ilumina nossos dentes e nossas covas simulando sorrisos amarelos e melosos com a ideia de que sabemos que no fundo no fundo de nós é tudo uma enorme maluquice. uma desordem

coisas que movemos no escuro

a gente só precisa da gente mesmo do sol e de uma ou duas doses de coragem pra desafiar os penhascos deter os vulcões as calamidades atômicas provocar moinhos e batalhar contra cordas presepadas de todos os tipos e excessos sem nem ao menos capturar nem libertar a estrela andarilha do outro que cintila vestida de prata fina e tênue de delicadas camadas sob camadas, uma semi-joia de puro neon e brilhantina quem sabe talvez por um momento ligeiro seja nos permitido atravessar pelas brumas do dia, uma sombra um cisco um sopro por breves segundos de um pequeno dia à desaguar em nossas cabeças e tombar nossos joelhos, descansar os pés cansados em alguma praia de areia branca e inexplorada até mesmo brigar e romper e fugir com todas as armas, com todas as defesas todos os escudos brutos do centro do plexo para que talvez hoje ontem tenhamos a sorte e a sina de caminharmos descalços e nus limpos de qualquer vergonha semelhança

piras transcendentes

minha saudade é parecida com aquela coisa sem destino reto e uniforme que arrepia os pelos da gente e não da ás caras totalmente, não se desvela, só se mostra em pedaços flashes e giros, mil voltas contra o sol da minha vida, uma revolta armada sem bandeira de guerra, uma viagem violenta e cósmica no pontilhado alquímico dos dias de leão em vênus, um troço, um algo a mais largado no caminho do alvo, uma seta, um tombo, um traçado cru no asfalto frito, um rabisco asbtrato e amarelo sobre calçadas alpendres e prédios, minha saudade tem jeito de pássaro e um profundo gosto por céu.

crônicas marginais

gostaríamos de tecer lindos contos e poesias mornas sobre os atos de fé do bom homem, se houver algum ainda que o mereça de consciência limpa e cabeça erguida. eu não. ao contrário de lindos, são terríveis os causos da minha terra, todo dia um morre e outro sobrevive, porque demanda sobrevivência atravessar os tiros anônimos disparados na calada da noite e até de um punhado de coragem para disfarçar as tardes em que dançamos a ciranda indigesta das transações corrupitas dos animais políticos, seguros em sua ganância. meu deus como é difícil desviar da bala, dos cercos, dos inúmeros cacos maliciosos de lâmpadas que voam sem brilho de encontro ao amigo-irmão tão irreparávelmente só. como nós que resistimos na luta e na lida pelo pão nosso de todo dia e pela flor amarela que sobrevém a toda gente e nascerá sob o asfalto, entre os carros, mas hoje ainda só nos resta o lamento. de novo.

luminescência tempo.

tranço as tardes com a mesma calma que aqueles homens dizem homenagens ao santo burguês: tempo, que se foi, dizem até que fugiu, que evadiu pelas pontas dos dedos em uma serpente verde caolha à destilar veneno e vapor e recitar William Blake com a mesma voz embargada e soluço gemido que anjos aprovariam. e talvez à tenham aprovado mesmo, visto sua adoração pelas máculas, pelos pequenos equívocos, fragmentos caóticos mal-ordenados da juventude estonteante de cada um. cada qual o espelho que espelha a luminescência do risco de prata, das formas ousadas esculpidas pela graça de deus nosso-senhor-tempo-amém lapidadas na graça, no testempero imprevisível do diabo, deus-irmão da escuridão dos homens, de todos os homens e de todas as suas saudades .

aquilo que goteja

está pingando alguma coisa lá fora que me lembra você, que me lembra todas aquelas historias que você gostava de cantar baixinho quando achava que eu não estava escutando e eu estava, com certo desespero da sua voz confesso e braços abertos estendidos como uma toalha de retalhos, você produzia uma melodia tímida sobre o vazio das pessoas, um certo molhar-se que era bom, que humanizava as coisas de pedra, puff, de repente um poema de pestanas fechadas ou um risco morno que pinga, que goteja aquela sensação que gruda na pele até o osso, um óleo grosso que envolve a flor e o plástico e até o metal das moedas, alguma coisa lá fora pinga, pinga, pinga e me lembra você.

U T O P I A

um soluço, um depósito uma doação ilimitada de carga, de drama de momentos eternos pintados em simetria pelas paralelas ruas ambares do começo de noite, dos elevados monumentos históricos: uma lombada no tempo, um salto sem destino aparente. um lar dourado e frugal, onde todos os homens são santos e todos os dias são luminosos.

sereia do espaço

lança-me do barco se quiser, pedra na água, uma jóia submersa, sereia ensandecida em paetê e madrepérola, dignissima bruxa do mar interceptadora dos desavisados, santa santa dos mistérios aquáticos, guardiã dos portos, raio do veio de prata. segura minha mão, minhas escamas de peixe, vai ficando, escora tua mágoa no canto da sala, prova do odor familiar de especiaria antigas da tua pátria, tempero de lânguidos olhos, cova rasa na terra, uma brecha no fim, ventania cinza que se arma no norte, anúncio e trovoada, castigo na noite, naufrágio, afogamento e vastidão e eu mesmo já estou perdido.

notas ao tempo

te escrevo enormes juras grandes contratos selados pelas paredes do muro do teto da cabana que nos abrigamos ontem, quando havia risco no céu e ele transbordava e todas as ilhas se enchiam e todos os bichos humanos eram alagados e expostos, todo o ar era passageiro, só você permanecia ainda à estender os braços, pedir clemência, como se sozinho e nu pudesse salvar todo o pranto do mundo. e salvou.

diálogos de peixe

saudades. também, estás pelo rio? pelo rio, navegando em ilusão. lindo. beleza é nosso encontro de corpo de vida. sim, mas a ilusão existe. existe, é mar bravo, já deixou de ser rio suspeito. para o mar se foi o rio novamente. e lá vai José nas corredeiras marinheiro de rio, canoeiro de saudade.

saudade

sentimento de mágoa cinza nostalgia temperada pela distância causada e reafirmada pela ausência, desaparecimento distância ou privação de pessoas, momentos, épocas, lugares ou coisas a que se esteve afetiva e ditosamente ligado dia-a-dia lado-a-lado algo que se desejaria voltar a ter presente em papel brilhante laço e fita.

coisas de trem

a vida é aquela coisa muito parecida com um trem de carga que as vezes descarilha, perde o rumo, segue sem rota um mapa invisivel para além-mar ou simplesmente trava como quase todas as coisas do homem segue sem curso, atropela rotas e planos e segue sempre em frente até doer ás vistas até a próxima santíssima parada que se anuncia nos vitrais azuis da janela e no ruído oco do mundo que já vem vindo, a vida, apressada e nem mais tão longe assim da ponte acena suas longas histórias, acende cigarros e chora derrama óleo sob os trilhos, do muro avisto tuas curvas de um metal brilhante e nobre quase colho teus múltiplos odores, fumaça branca nova à espiralar pelas esquinas de outra vida estrangeira desta pátria.

intenso

cuja manifestação acontece com muita força, intensidade ou vigor; em que se há abundância temporal e sofrimento intenso que transcende o considerado habitual além do grau normal excessivo: tarefa intensa. fonética. desenvolvido ou formado por ondas sonoras de intensa amplitude; diz-se muito do som forte.

tratados de noite

cumprimos a promessa displicentemente, não houve guerra nem incêndio nem juras eternas nem doces enganos perdidos no calor do momento. não haveria mesmo de se ter qualquer arma branca ou negra ou suja com o sangue derramado de outras feridas. feridas de flor. feridas compostas de outras vidas, de outros pequenos momento na conjuntura do mundo. não haveria mesmo de se ter resgate, condição ou pedido no caminho do jogo não haveria mesmo de se ter anúncio, alerta, passagem transporte pelo vão da semi-escuridão inconsciente das noites mal-dormidas, das coisas diárias perseguidores (in)determinados da saliva do outro, da cura pro fosso, do topo, do corpo métrico ofertado mediado e pago pela nudez santificada do moço, pelo pão sacro exposto, pelos homens largados suados e nus e um tanto quanto crús à contabilizar causos e pérolas ou lamber velhas feridas, memorizar os minúsculos detalhes um do outro, cada curva, cada tropeço, cada pelo grosso despontando em

aquilo que era sol

eu lembro dos dias de luz de quando as tardes se estendiam pelas paredes oferecendo quadro aos cômodos, insinuando gestos corriqueiros inadvertidos do encontro de calor de corpos incendiados pelo pavor das mãos à mistura-se em nó sobre lençois turquesa, tapeçaria estrangeira da sua mãe. uma garrafa e meia de um qualquer cabernet Sauvignon, horas e horas medidas por manhãs incorporadas em segredo ou café ou outra coisa meio-doce, eu me lembro dos dias de luz e do verão tocando o mar eu me lembro do sol nas praias que estivemos, dos infinitos acenos retratados em nossa janela de fitas eu me lembro do toque e da luz mas agora é noite amor e agora?

Lamentos para os dias de verão

vejo o sol que se coloca à frente da tua cara pontilhando minúsculas estrelas prateadas em teu rosto em teus cabelos de noite uma sombra cumprida que se estende em abraço de serpente ferro frio na garganta e desencontro eu tenho medo vejo as plantas que se movem de joelhos ao teu desejo, súdito e irmão da primavera o seu corpo: tronco sólido sinaleiro dos navegantes aventureiros de outras terras e do teu fruto quase maduro à florescer pelos deserto e eu tenho medo vejo o mar que corre ao teu encontro, palácios de maravilhas às tuas praias, um príncipe santíssimo nascido da espuma e banhado pelo sol de junho à iluminar a tua cara, vento e areia interminável, as plantas todas dispostas em cor a coroar teu cabelo de anjo, um sonho travestido em luz e verão e eu ainda tenho medo.

Considerações ao Ipê

tudo flui tudo passa tudo acaba nas horas que ele amanhece em flor em luz natural de pé, altivo estendendo os braços sobre os pequenos homens de concreto apressados em suas infinitas caras públicas, ele, imóvel e resplandecente impondo sua espera e sua semelhança às cercas aos muros as estradas povoadas da sua classe-verde e silenciosa, fiandeiras do tempo em cor, guardiãs antiquissimas dos mistérios da terra e dos bichos, conselheiras e avós da magia calada que são as fragilidades intrínsecas do homem, pedra ou flor.

o amor das coisas

te procuro com sede, insone e descalço pelas imensas madrugadas de luzes escancaradas que flutuam na direção do tiro do hiato ocasional às beiradas do tempo e da conjuntura astrológica dos afetos mal-cozidos fogo brando aquece a angústia no peito latino inadvertido do perigo da solidão num sopro, num grito dissonante pontilhado pela aridez branca e gelida dos aparelhos domésticos inanimados o uivo que dissolve em espanto as camadas e camadas de noites que virão de te buscar e te perder no gesto insinuoso das curvas da minha geladeira

Projétil Vermelho

Qual o bom em mim que te entrego, que me despeço, sem nem ao menos suscitar a viagem, a subida, os quilômetros de pele que nos separa, o obscuro caminho ante o deserto e a ponte, monumento aditivo daquelas águas largas que nascem do pranto, do canto cinza das aves-marinhas em manhãs opacas, do lamento puro das vozes às fissuras do crânio. Do fogo, eletricidade máxima e tensão. Inexplicável alegria nos nervos que te sustentam, ali de pé sob a chuva, um projétil balístico, eternos casos lançados pelo tempo.Tempestades inteiras suportadas pelo arrastar da roda ociosa dos dias. Um campo de batalha no front e. Deus vermelho das chamas e do ardor sem-fim. Flecha certeira na noite, alvo e mira.

Outras Coisas e o Vento

Sente, sente o vento, ta sentido? Uma brisa leve, rodopiando, desmanchando os caracóis dos teus cabelos castanhos, ou eram negros, ou eram simplesmente libertos pro mundo e pro diabo? O diabo, nosso famigerado amigo, íntimo em quase todas as noites de quinta. O vizinho que Deus nos apresentou. Em algum lugar azul. Sente, sente o vento, ta sentindo? Um clamor pelas coisas da tua terra, um tratado pelas maravilhas do espírito, um aceno sonâmbulo ás cinco da matina enquanto ninguém está vendo. Sente, sente o vento, ta sentindo? Um barulho perdido no hiperespaço do cosmos ao ventre de uma estrela-anã em ascensão, o caminho pontilhado dos astros, rei metafísico esculpido em dilemas de prata e luz, Órion perdido de amor, três vezes três em abençoado remorso, canção e reverência interminável. No vento, um carinho meu você pode sentir?

O Sambista e o Vento

O sambista, sensível às transparências do mundo, caminha absorto, melodia projetada nos lábios. Foram muitas e muitas horas aos tropeços pela madrugada e há tantas que já não mais se sabe do sambista, muito menos do seu próprio samba. Aquela coisa quente que ilumina o corpo e a garganta e aquece e aproxima letra e lábio. O samba, dizem, tem parentesco com o vento e carrega no sopro pequenas alegrias. Pode-se medir um homem inteiro pelo seu samba - afirmam alguns... O vento curioso da melodia do homem fica encantado pela semelhança da dança das bocas, mas tímido como é, se apresenta humilde como brisa leve como um carinho inesperado às barbas do sambista. E sussurra baixinho: - toc-toc sambista! O sambista, agora desperto para as excentricidades do mundo, quase nada ou muito pouco surpreso, responde: - Quem é? - O vento! Vim soprar para você! E como todo homem sensível o sambista se dispõe novamente a cantarolar atirando sua música ao vento, que encantado pela melodia apressada d

Crônicas ao Pássaro

E foi mesmo só, entre as tardes, que me pus à perceber-te. Foi mesmo lindo o espiralar das águas, o sol sobre duas pequenas xícaras, o aroma de ervas e feitiços na fumaça branco-pérola que te acompanha, a magia tem dessas miudezas enormes. Foi mesmo intenso a trilha que trilhamos entre o quarto o banheiro e o parque, o verde que cruzamos enquanto contávamos nossos causos, e eram tantos causos, suspensos, pendurados ao tempo de outras vidas, éramos tão limpos ali, diante da sobrenatural infusão que produzimos pelo toque, no beijo, no semi-circulo das coisas do universo. Foi mesmo arranjo do universo aquelas trinta e tantas horas de amor, e repare que digo amor como se pronunciasse pássaro, em respeito, ânsia e liberdade.

A fera humana especular

Todos os dias, durante tempos o homem simples exclama: matei hoje mais um leão! Interrogo, será que o homem percebe seu próprio rugido, será que enxerga no olho do leão sua pátria? Se sim, que pátria nesse caminhar calado? Será as coisas dos homens intrínsecas as coisas dos bichos? Serão bichos, animais políticos? Será politica toda fera humana? E o leão, o que será que sente?

Ensaio para noites chuvosas

De repente, sob a chuva, pesa-me o ombro com o peso do chumbo, dolorido e rígido pela queda e o mau tempo. De repente, milímetro a milímetro, me chega e me invades e me impregna da ânsia pálida dos miseráveis, ainda mais miseráveis agora, o tremor combalido das pequenas criaturas, o amargor, que de certo sobreveio a boca pura dos outros animais humanos, vadios, mas alimentados pela queda, a cidade ergue-se sobre si mesma e o corpo abandonado e exposto dos infelizes, dos mortos, das mães em luto, das putas, dos pobres nunca vistos, largados aos pares pelas esquinas negras no fim da madrugada, a chuva chega e passa, eu também, eles não.

Homens Transponiveis

Disseram-me: sejas homem, ou teus nervos metálicos, como as cordas do violão que preguiçosamente tocas sustentando em dor maior a fome e a presença dos olhos curiosos de outras feras, bicho humano impugnavel, estás cordas, como as outras cordas em meus pulsos desprendem-se retorcidas no contato do tempo e o chão batido da casa do avô. Seja homem, eles disseram, seguros do tempo do homem e do negror das barbas, escondidos sob o escombro do pavor mesquinho das armas e o apertar de mãos sujas simulando o jogo perigoso de se ser só e não o outro, faca presa à garganta, caça e noite se extinguem, eu silêncio, mas não calo: o que é ser homem?

Classificação ( quase) morfossintática

Desejo é um verbo, é presente divino, indicativo do olho de Deus à primeira pessoa, singular em forma, luz e métrica, compõe a tecitura das cores no tear do tempo, navega ocioso entre o mar branco e as rochas, costura cruzes e pontes: o desejo.

Elegia aos Pombos

Passei com temor por aquela nossa antiga esquina no pequeno bairro triste das pequenas flores, não havia pombos no parque ou grão suficiente que os sustentassem. Imagino, enquanto faço a volta aqueles bancos cinza, impondo-se ao verde rasteiro e as aves, uma escultura pensa das infinitas tardes ao sol de outra vida. Apressados como quase sempre, como quase todos os outros. Corremos, alucinados pelo encontro do destino, porém, não gastamos tempo que fosse o bastante para lamentar as minúsculas falhas e eram tantas, que somando-as em rio tornaram-se um mar e meio de distâncias. O que fizemos de errado? Eu não saberia ao certo quando, como, ou estenderia os porquês da despedida, mas envelheço só e continuamente todos os dias, no caminho entre a esquina e o parque, sustentando pombos ausentes do nosso amor.

Ensaio contra o Sol

Quem é que olha pelos meus olhos? Quem é que mastiga com minha mandíbula aberta para quem quiser sentir, o podre e o ocre das línguas afiadas umidificando o caminho, o grito mudo , também preso da fera humana especular? O (des) gosto do sal temperado por ausências, terrores póstumos e de uma palidez brutal, manchada somente, pelo vinho ácido dos dias iguais do cativeiro, das horas amargas e vulgares sob uma meia-luz qualquer marginal. Enlutando o crânio, o pranto, passeando às avessas da luz, a ceifa adorada segue, todo dia, em todo canto, devorando do animal as vísceras esplêndidas estendidas contra o sol. Ensaio contra o Sol - Vini Miranda

Marginais Imaculados

O opressor funga no cangote, enquanto enviadescemos mais a cada dia, como um gesto ao retrocesso, gozamos etéreos, pelas esquinas. Reencontramos no brilho das (trans) marginais recortadas do mundo, o símbolo perdido da luta, enquanto cidades cinza-chumbo erguidas, pelo labor negro das mãos choram e chovem o sabor metálico e indigesto do meu povo.

Invocação à Dionísio

Dionísio, tantas vezes te chamo, tantas vezes não há luar e o sal cobre a terra, tantas vezes sem precisão ou amor ou lascívia a noite se infiltra pegajosa pelas persianas vinho-tinto da sala de estar, esquadrinhando os cantos e frestas e dobradiças com tuas apressadas mãos sob a mobilia: meu corpo de barro, entregue ás tuas carícias. Dionísio, tantas vezes te chamo por clamor ou reverência ou algo igualmente profundo, tantas vezes me sonho gemendo e ganindo na luz sobrenatural dos teus ritos, tantas vezes tantas e muitas mais guardarei por ti. Invocação à Dionísio - Vini Miranda.

Apologia às Bombas

Saque as armas brancas, as flores, as pequenas contas, as conchas, as pérolas de amor. Marche o samba de vida na avenida extendida de corpos também multicoloridos corações Bombardeie bombas postas no centro no plexo na ocupação do sistema solar interior Resista até mesmo aos silêncios consentidos, ao estreitamento das pontes das cordas das amarras embutidas no teu sexo no teu senso variante contraste circunflexo de jovem humilde superior.

pretérito imperfeito:

eu (um dia) amei . tu (quase) amaste . ele (afirma) amou . nós (violentamente) amamos . vós (também) amastes . eles (certamente) amaram . o amor.

Ultrapassará.

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Girassóis de Vênus.

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Crônicas Amorosas

Eu, sozinho que despenquei aflito do alto do arranha-céu dos teus desejos suspeitos, queixosos de inegáveis crimes vermelhos e desamor. Eu, que mendiguei a terra o pasto o arado brutal dos teus pequenos anseios, que me ofereci calado e nu pelos desertos. Eu, que supliquei aos berros por carícia passageira, pelo pão santo do teu sexo embevecido de si mesmo, gota-a-gota, sem saliva, sem ardor, sem teu pau um dia amoroso.

(uni) inverso das coisas

Chá cósmico e sideral, nebuloso, partilhado e pontilhado de singularidades outras, velozes, intrepidas transitam Íntimas e indiscretas na luz urgente dos pedaços expostos, no arco dos espaços opacos dos detalhes pequenos, nos atos sórdidos, no porta retrato decorado e esquecido sob a mesa do canto cinza da sala, passageiro entre cômodos e copos e corpos celestes estendidos no chão, no tapete ante o sol, no parapeito da janela, nas curvas expostas do braços soltos, pendendo vacilante pela sorte dos afagos morenos e as voltas inteiras do mundo.

astrologias aparentes

Intransponíveis diabos armados & santos pecadores da divina luz do anjo sci-fi no armagedom tecnológico da inexatidão do ano da zebra psicodélica. um anuário enraizado num zoológico intransponível astrologicamente con sidera vel Com: Júlio Carvalho