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Mostrando postagens de maio, 2017

Crônicas ao Pássaro

E foi mesmo só, entre as tardes, que me pus à perceber-te. Foi mesmo lindo o espiralar das águas, o sol sobre duas pequenas xícaras, o aroma de ervas e feitiços na fumaça branco-pérola que te acompanha, a magia tem dessas miudezas enormes. Foi mesmo intenso a trilha que trilhamos entre o quarto o banheiro e o parque, o verde que cruzamos enquanto contávamos nossos causos, e eram tantos causos, suspensos, pendurados ao tempo de outras vidas, éramos tão limpos ali, diante da sobrenatural infusão que produzimos pelo toque, no beijo, no semi-circulo das coisas do universo. Foi mesmo arranjo do universo aquelas trinta e tantas horas de amor, e repare que digo amor como se pronunciasse pássaro, em respeito, ânsia e liberdade.

A fera humana especular

Todos os dias, durante tempos o homem simples exclama: matei hoje mais um leão! Interrogo, será que o homem percebe seu próprio rugido, será que enxerga no olho do leão sua pátria? Se sim, que pátria nesse caminhar calado? Será as coisas dos homens intrínsecas as coisas dos bichos? Serão bichos, animais políticos? Será politica toda fera humana? E o leão, o que será que sente?

Ensaio para noites chuvosas

De repente, sob a chuva, pesa-me o ombro com o peso do chumbo, dolorido e rígido pela queda e o mau tempo. De repente, milímetro a milímetro, me chega e me invades e me impregna da ânsia pálida dos miseráveis, ainda mais miseráveis agora, o tremor combalido das pequenas criaturas, o amargor, que de certo sobreveio a boca pura dos outros animais humanos, vadios, mas alimentados pela queda, a cidade ergue-se sobre si mesma e o corpo abandonado e exposto dos infelizes, dos mortos, das mães em luto, das putas, dos pobres nunca vistos, largados aos pares pelas esquinas negras no fim da madrugada, a chuva chega e passa, eu também, eles não.

Homens Transponiveis

Disseram-me: sejas homem, ou teus nervos metálicos, como as cordas do violão que preguiçosamente tocas sustentando em dor maior a fome e a presença dos olhos curiosos de outras feras, bicho humano impugnavel, estás cordas, como as outras cordas em meus pulsos desprendem-se retorcidas no contato do tempo e o chão batido da casa do avô. Seja homem, eles disseram, seguros do tempo do homem e do negror das barbas, escondidos sob o escombro do pavor mesquinho das armas e o apertar de mãos sujas simulando o jogo perigoso de se ser só e não o outro, faca presa à garganta, caça e noite se extinguem, eu silêncio, mas não calo: o que é ser homem?

Classificação ( quase) morfossintática

Desejo é um verbo, é presente divino, indicativo do olho de Deus à primeira pessoa, singular em forma, luz e métrica, compõe a tecitura das cores no tear do tempo, navega ocioso entre o mar branco e as rochas, costura cruzes e pontes: o desejo.